Ainda pouco estava conversando com um aluno aqui no setor de biologia sobre bibliofilia e como ele estava tão cabisbaixo perguntei o que tinha acontecido, mesmo não tendo muito intimidade com ele. O coitado foi pressionado pelo pais ou a largar o namorado ou a sair de casa. Putz, o que falar numa situação como essa? Eu não tinha o que dizer, então fiz a única coisa que achei que fosse confortá-lo: dei um abraço. Ele, rapaz bem mais alto que eu me engoliu no abraço e ficou um bom tempo tantando conter suas lágrimas. Fiquei com um nó na garganta enquanto ele chorava e quis chorar também. Mesmo após todos esses anos ainda não sou capaz de entender porque os pais fazem isso com seus filhos. Eu não passei por esse tipo de situação, mas passaria caso não tivesse coragem para sair de casa e carão para encarar a vida.
É bizarro ouvir esse tipo de situação e não saber o que dizer, como ajudar. Sou até capaz de entender a "pressão social" que sentem os pais desse rapaz, o medo, a vergonha, a "culpa", mas nada justifica ameaçar o próprio filho. Impor esse tipo de escolha é como se nós, gays, tivessemos um botão sexual de liga-desliga e que nossa vida fosse pautada somente sob a condição sexual. Ora, a sexualidade é um componente em nossa vida, assim como os órgãos vitais, o caráter, as atitudes, e não é somente o que nos define. E ainda que fosse isso, qual o problema? Por que os outros se importam tanto como que acontece na vida sexual dos outros? E não vou dizer entre quatro paredes porque acredito fielmente que também tenho direito de fazer carinho e andar de mãos dadas com o meu amor, independente de quem seja, pois independente de tudo é amor, é carinho, são bons sentimentos, ainda que seja só um mero ficante.
Segundo este rapaz, a mãe dele citou as escrituras, religião, Deus e a punição e isso me fez lembrar da minha mãe, pois ela falou tudo isso e mais além. Disse que homem havia sido feito para a mulher e vice-versa e que assim eu destruiria a familía e tudo e tal. Mas veja, a família, sobretudo, é um núcleo de amor, de carinho, de bem-querer, de perdão e amizade; e deveria acolher aos seus, perdoar, ajudar e não discriminar e maltratar, neste caso. E aposto com você que esse ato de maltratar e pressionar nem é um sentimento próprio dos pais desse rapaz, tenho certeza que é medo dos de fora, os conhecimentos, amigos, do que podem falar por aí, algo do tipo "Ui fulana, você não sabe que Beltrano, filho Cicrano, é bicha, viado, gay blá-blá-blá-bla". As pessoas morrem de medo do que os OUTROS vão falar e não refletem de fato sobre qual é o seu medo próprio. Em outras palavras: o que muda na minha vida se meu filho gosta de rapazes? Qual a diferença? O que isso importa? É porque nada importa, é porque nada muda. Na maior parte das vezes o filho(a) sempre foi gay, então sempre foi do mesmo jeito, o que significa que ele nunca mudou, sempre foi assim. O fato é que a família gosta de se enganar, de achar que "ai não, isso nunca acontecerá com meu filho porque ele foi criado nos princípios tais, tais e tais".
Mas e agora, o que esse rapaz vai fazer da vida? Meu conselho seria não terminar o namoro, mas a gente não sabe como a barra pesa diferente para cada um. No meu caso, anos atrás, eu disse aos meus pais que eu sempre fora assim e não mudaria, mas que preferia não mentir para eles sobre com quem eu estava, onde estava, fazendo o que. Mentir é feito, é terrível, é fazer os outros de idiota, mas tem gente que gosta, como os pais desse carinha.
Depois de uns quase 10 minutos ele ficou mais calmo e secou as lágrimas. Eu não dei conselho nenhum, porque de nada adiantaria. Ele ficou parado equilibrando a mochila nos ombros. Um rapaz lindo, estudioso, simpático, com um futuro maravilhoso pela frente agora sofrendo numa terrível decisão. Eu ofereci um copo de água na biblioteca mas negou e disse que precisava ir caminhar e pensar na vida. Eu disse para aparecer quando quisesse, afinal, bibliotecas são ótimos consultórios para terapia rs. Com outro abraço ele se foi e eu voltei para a biblioteca, ainda com nó na garganta e vontade de chorar por ele. Mas fazer o que, se a vida nem sempre é fácil; sofrer nem sempre é uma opção...
Quando eu tinha uns 13 anos, mesmo já sabendo muito bem a fruta que eu gostava, pedi para conversar com minha prima Renata sobre algumas dúvidas. Como ela era super ocupada marcamos um dia e conversamos no quarto dela. E de supetão fui contanto tudo, mas a minha intenção era tão somente poder desabafar com alguém, não precisar mentir para todos sabe, e como ela minha prima e amiga achei que poderia confiar nela... Desnecessário dizer que implorei para que ela não contasse à ninguém. Ela me ouviu com paciência, disse que esse tipo de sentimento era normal na minha idade mas qua passaria. Logo de arrependi de ter contado. Fato é que um dia depois minha avó e tia começaram a encher o saco [eu morava com minha avó naquela época] e logo depois a minha mãe ficou sabendo e sofri tudo o que nunca imaginei na minha vida. Mas entende, eu confiava nela. E confiança com relação a um assunto tão sério deveria merecer o mínimo de respeito e integridade, deveria ser algo que transpasasse conceitos como religião, fofoca, descaso, ainda mais com um membro da família... Enfim, doeu muito naquela época e às vezes, quando ainda vejo acontecer esse tipo de insanidade, também dói, ainda mais com a família, que deveria ser o ponto de apoio para tudo.
O que eu tiro desse acontecimento, se isso é possível, é a constatação de que a sociedade ainda é rude, grossa, ignorante; e que a facada maior vem sempre da família, isso independente de se família rica, pobre, com berço ou sem berço. E não adianta muita coisa, já que os que amamos vão ser sempre os que mais nos machucam. Espero que esse garoto saiba se cuidar e que fique bem.