quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

O voo

Nos conhecíamos há anos, mas a sinapse do desejo nasceu naquele encontro incidental num voo de volta para o Rio. Era fato que eu não ditava os caminhos de minha vida. 

Eu estava com pensamento longe, com aquele sentimento de suspensão dos viajantes, dividida com a vontade de ficar e a ânsia de chegar; não observava nada com atenção pela frente. Localizei minha poltrona, acondicionei a pequena mala no local vazio e sentei-me na poltrona do corredor. Acenei vagamente com a cabeça para a mulher na poltrona junto à janela, mas sem realmente nota-la. A planta de meus pés formigava ao entrar em aviões e não por medo, eu seria sempre fascinada pela magia humana de fazer planar no ar milhares de quilos de aço. Todavia, naquela tarde, minha apatia era maior do que qualquer fascínio. 

Entre suspensão e distração, percebi que as portas estavam fechadas e eu poderia colocar o cinto de segurança, visto que não havia ocupante na cadeira do meio. Ao tatear a poltrona central em busca da parte do cinto, minhas mãos tocaram as da outra viajante e assim subi os olhos devagar, já murmurando um pedido de desculpas. Minha visão subia sem pressa, primeiro focalizando os dedos, as unhas pretas bem cuidadas, a pele da mão de aparência macia, a manga branca da blusa, o braço longo e uma mecha castanha de cabelo que o contornava, até subir por seu ombro e encontrar queixo, lábios curvados num pequeno sorriso, o nariz perfilado e os olhos. A viajante e eu nos reconhecíamos após 10 anos. 

A curvatura do seu sorriso aumentou, revelando o brilho dos seus dentes e notei em mim que também sorria, mesmo que tímida, mas já impactada pela surpresa, pelo breve piscar de olhos que jorrou em meu sangue a centelha da lembrança de nosso último encontro. Sim, haviam muitos anos, mas eu recordava e isso me fazia esquecer de respirar, o que era refletido em meu rosto vermelho. 

Ela foi a primeira a falar, chamando-me pelo apelido que outrora fora sua exclusividade, como se o tempo não houvesse passado. Parecia fácil pra ela sustentar o olhar. Na sequencia, perguntou como eu estava. O que eu responderia? Que não viva de fato, e que apenas levava em frente? Que estava ótima, obrigada! Que estava bem até agora! Que nunca deixei de pensar nela? Respondi um "bem, obrigada! E você?", mais uma resposta-padrão. Essas respostas que pareciam cada vez mais o meu vocabulário todo. 

Ela respondeu-me que também estava bem, sacudindo de leve a cabeça para enfatizar, ao passo que seu sorriso continuava a crescer para me mostrar o quanto o tempo havia lhe feito bem. Ela estava linda, o olhar afiado das pessoas realmente inteligentes; parecia muito segura de sua beleza madura e, como antes, mesmo agora, acaba de reconfirmar em seu íntimo o poder que detinha sobre mim. 

Engolindo o embaraço, iniciei uma conversa padrão sobre a viagem, se ia, se voltava, como estavam os seus, se ainda residia na mesma cidade. Com certo ar de surpresa ela respondeu tranquila, dando-me um breve panorama de que quase tudo continuava como antes. Eu estava presa dentro dos meus pensamentos, sem evoluir a conversa e absolutamente incapaz de desviar meus olhos, o que me fazia parecer uma adolescente envergonhada. Fui salva pela comissária a me pedir que retornasse a poltrona na posição original para pouso, e isso significava 50 minutos de conversas onde eu não vira o tempo passar. 

Regulei a poltrona e olhei para frente, inspirando profundamente. Reparei que ela fez o mesmo e ficamos em silêncio aguardando o pouso da aeronave. O desembarque ordenado nos pôs rapidamente a caminho para o desembarque. Quietas, andávamos lado a lado para a saída que já se aproximara. Eu tinha tantas perguntas, mas sentia-me esmagada. Parecia que havia perdido minha capacidade cognitiva e eu não conseguia formular uma pergunta decente sequer. Em árdua luta interna, aceitei que o melhor resultado era continuar calada, deixar os ruídos preencherem os espaços. Também não ousei olhar para o lado. Todavia, estava completamente ciente do barulho de nossos saltos pelo chão liso, ciente também da proximidade de nossos ombros e de que o nosso tempo estava terminando. Percebi que gostaria de prolongar a caminhada e, por outro lado, não saberia como fazê-lo. 

Chegamos na porta de saída e nos viramos. Ela, olhando-me firme, desafiando-me a pronunciar a sentença que decretaria nosso novo destino a partir dali. Não cedi e mantive o silêncio. Sua mão esquerda então venceu a curta distância até meu rosto e o carinho sutil da ponta dos seus dedos percorreu minha bochecha, e sem que fosse consciente, dobrei-me neste toque, fechando os olhos, guardando as sensações em mim. Abri meus olhos e ela estava mais perto. Pegou minha mão e acenou para o carro que estava à sua espera. Embarquei com ela. 

Muitas horas depois, estávamos deitadas na cama bagunçada. As roupas espalhadas, os corpos quentes, respiração acelerada. Ela deitada em minhas costas nos acalmando do amor perfeito e saudoso que partilhamos. Não era preciso falar, as escrituras de nossa paixão estavam seladas, a palavra cumprida. Ia ser assim agora, entretanto, não mais ela e eu, mas sim, nós. Não há coincidência, só destino, e o meu era, definitivamente, ao lado dela.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Best you ever

Era estranho e surpreendente. A violência dos beijos que me assaltavam sem piedade enquanto seus dedos e unhas criavam um tortuoso percurso em direção à minha intimidade suplicante. 
Mas eu não estava em desvantagem. Montada em seu corpo, esfregando-me desavergonhadamente contra sua boca, meus seios esmagando os dela dentro do movimento síncrono de nossos corpos quentes. 
Seus cabelos escorrendo em meus dedos enquanto minha umidade manchava seus dedos dentro do entra-e-sai lento e constante em mim.

Adianta negar o fogo que ardia quando eu a via? Melhor sempre deixar queimar e depois avaliar os estragos para depois recomeçar a vida. Ela não perdoava, não me deixava ir embora desse jogo porque conhecia a verdade dentro do meu coração.   Ela conhecia o caminho para chegar em meu núcleo vencendo uma por uma todas as barreiras do muro de heras não simétrico dos meus sentimentos. Eu teria sentimentos por ela? Talvez alguma coisa perdida na dualidade ódio-tesão. Não amor, nunca; amor não existe! Eu fodia gostoso - me fodia por ela, com ela, dentro dela, no seu beijo doce-agressivo, nas mordidas, na fúria do seu sexo cavalgando o meu até explodirmos em espasmos maiores que o sol. Nos matávamos toda vez nesse desespero extasiante para renascer na rotina diária que nos afastava cada vez mais. Não se engane, isso não é um romance, ela e eu nos odiamos e dentro do ódio consumado aprendemos, ambas, que uma boa dor sempre pode ser aproveitada, e assim nos aproveitávamos num gozo sem fim.

Ao som de Stranger, Goldfrapp.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018


(...)You lose your way, just take my hand
You're lost at sea, then I'll command your boat to me again
Don't look too far, right where you are, that's where I am
I'm your man
I'm your man.

[Mariners Apartment Complex- da deusa - Lana del Dey]

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Eleições 2018

Aprendemos na porrada. O sangramento não é opcional. Pinga. Dói respirar. E ultimamente, dói viver. Após uma bordoada eu chego em casa e direto me entrego para o vinho. Vai atenuar a dor, é o que vejo escrito no rótulo depois de meia garrafa. Eu bebo para esquecer, para amenizar, para suavizar a dor e um medo crescente dentro de mim.
Ultimamente passei a ter medo. E o medo é tipo um bife que a manicure tira do dedo e que não chega a doer, mas incomoda por algum tempo. E quando cura logo chega a hora de fazer as unhas e a gente torce pra manicure ser mais cuidadosa. Só que o medo de agora é pior. É algo que não passa; é um coração descompassado às 14h; é um engasgo com copo de água às 16h, uma garrafa de vinho às 21h e um comprimido antes de dormir às 23h.
Eu ando mal.
Eu não ando, eu perambulo.
Tenho perambulado só para cuidar da minha gata que está idosa e dodói. Ela é meu amor e minha responsabilidade. Estamos nós duas ferradas num mundo que só tende a nos engolir pela idade, pela falta de calor – engolidas pela dor.
A vontade de ir embora aumenta a cada dia. Largar tudo, eu penso, nem que seja para ficar no purgatório. Mais uma taça de vinho. Mais uma respirada funda, um olhar perdido pela janela, um carinho na minha gata. Mais uma noite com medo.
Como são trises meus dias desde que você partiu. Então eu descubro como a vida é depois de você. Que merda! Merda um dia sim e dia depois também.
O mestrado consome meu cérebro e nem consigo pensar em sexo. Penso em estatística e em sistemas de inferência, a porra da probabilidade total e quero que se exploda a Teoria de Bayes. Não quero calcular pesos em redes neurais, quero só dormir em paz [insiro aqui todo o respeito aos meus professores de inteligência artificial].
Tenho aquela velha dor de estomago e de cabeça, tudo se fundindo numa coisa só alinhada à insônia e a leve vontade de mandar tudo mundo pra puta-que-pariu-me-deixa-em-paz-vão-se-fuder, por favor. Sou moça educada, pelo menos na maior parte do tempo. Quando chego em casa eu só quero dormir, mas mesmo o ato de adormecer ter sido minha melhor qualidade em 34 anos, agora até isso me foi tirado e fico na cama remoendo o dia, o passado e apavorada com um futuro. Nunca pensei que eleições fossem me tirar o sono. Não vou me deter ao assunto porque está tudo aí mastigado pra vocês.


Pausa solene para o sacrossanto xixi.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Blank_space

A dor de uma separação que estava previamente concluída não doi tanto quanto a traição da lealdade. 
E por todos esses anos eu pensando que o problema era eu que havia engordado ou amplificado a personalidade em alguns sentidos, ou até mesmo a mudança para Curitiba. Mas não, ela nunca foi minha. Acredito que um dia tivemos alguma coisa, que durante uns pares de anos eu tive sua atenção e carinho, mas agora eu sei que nunca tive o realmente importante: o amor. Esse foi de duas outras outras antes de mim. 

Agora ela está feliz com outra, fazendo tudo o que comigo não fazia. Curtindo o que ao meu lado parecida não gostar. Não quero seu mal, e entendo meus erros ao longo do relacionamento, mas precisava a consumação do término ter sido uma rasteira tão grande? Eu descobri pelas palavras dela para as outras que eu sempre fui insignificante, e como essa humilhação doeu - ainda doi. Não sou hipócrita para deixar de admitir que a cada post feliz dela é uma granada explodindo no meu peito. Deixei de seguir em todas as redes. Até o momento, eu não havia percebido o quanto as mídias sociais são capazes de decretar a vitória ou derrota dentro de mim. A vontade de sumir de tudo, mas a implicação dessa ação hoje esbarra no aspecto profissional também, infelizmente. Então, eu só deixei de segui-la para não espumar de raiva. 

Então eu só deixei de lado o modo Poliana-moça.
Então eu só deixei de lado a minha fé nas pessoas.
Então eu só deixei de lado a minha fé em mim. 

Mesmo terminada eu colocaria a mão no fogo por ela, porque ela sempre foi merecedora de tudo, apesar dos acontecimentos da vida... Hoje eu sei que confiar de novo em alguém pode não acontecer mais, ou levar todo o meu tempo. No momento, eu tento ser só uma carcaça, só mais uma pessoa vagando por aí cumprido determinações, prazos, deveres e obrigações, mas sem vontade alguma de continuar. 

Virei uma pessoa vazia. Quem sabe assim meu corpo também emagrece. Decepção também mata, mas geralmente escrevem suicídio na certidão de óbito. 


segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

2018

Sempre tanta coisa em tão pouco tempo. Entrei e saí dois novos anos e não cumpri nenhuma resolução. 2018 está aí e quem sabe eu consiga terminar alguma coisa.

É preliminar, mas aí vão as coisas que eu *QUERO* em 2018:

- meditar pelo menos 1 vez por dia - todas as manhãs;
- cozinhar decentemente pratinhos variados e saudáveis;
- manter uma alimentação equilibrada;
- cuidar melhor das finanças. pelo menos tentar resistir àquelas compras por impulso e desnecessárias;
- praticar exercícios físicos. ainda que eu não retorne para a academia, pelo menos uma caminhada básica. afinal, não sou ryca pra pagar academia e não ir;
- manter uma rotina fixa de estudos;
- cuidar melhor da minha saúde física, mental e aparência;
- manter poupança intocável para besteiras; e
- terminar as coisas que eu começo; e
- desgrudar do celular e aplicativos.


Coisas que eu *NÃO QUERO* em 2018:

- engordar mais;
- estressar por pouca coisa;
- levar trabalho pra casa;
- gastar com coisas desnecessárias;
- relacionamentos tóxicos;
- deixar de remoer problemas - eu quero viver mais leve;
- deixar a preguiça para as manhãs de sábado e domingo.


Quem sabe evitando os "não quero" seja mais fácil conseguir o que eu quero.
Wish me luck ;)


quarta-feira, 12 de abril de 2017

Sobre o tempo

Os anos passam, fico mais introspectiva e hesitante quando pensava que a esta altura já teria libertado certas amarras por dentro. A passagem do tempo traz aquela plácida sabedoria e conformidade dos mais pacientes e esfria o vulcão de incertezas tolas do passado não muito distante. 


O tempo como bom amigo permite, ainda que poucas, deliciosas horas de ócio e proporciona-me perceber uma infinidades de detalhes para os quais eu estava cega antes. Explico: hoje, eu "me vejo", exergo o que há em mim e meus limites, sei aquilo que quero e não quero, o que gosto e desgosto. Não que isso me livre dos perrengues da vida, mas ter trinta e poucos anos e me amar é libertador, mesmo estando bem acima do peso rs. O que vale é esse calorzinho bom no coração em querer e desejar o bem, a paz, a saúde, a liberdade. 


No meio desta calma, sempre tem algo que não muda, e claro que o vulcãozinho ainda acende com certas mulheres, porém hoje prefiro saborear um flerte sutil do que uma boa foda.


Saudações balzaquianas. 




terça-feira, 17 de novembro de 2015

Uma nuvenzinha de preocupação na cabeça e aquele aperto familiar no peito. Sensação angustiante validando as dúvidas, os remorsos e certos arrependimentos, confirmando aquilo já sabido de que é possível vislumbrar um pedacinho do futuro, porém nunca regressar ao passado. Mas ah, como é difícil acreditar naquela lanterninha piscando vermelho dentro da gente dizendo em alto e bom som dentro do cérebro "não vá, querida. Fique aí!". Parece sempre mais fácil abandonar a intuição (tão inteiramente correta) para satisfazer uma curiosidade desnecessária. A intuição é a gerência de todo o peso do passado a suplicar-nos por uma calma quase impossível de ser mantida. É como disse a Bishop "[...] Perdi duas cidades lindas / E um império que era meu, dois rios, e mais um continente. / Tenho saudade deles. Mas não é nada sério [...]

O voo

N os conhecíamos há anos, mas a sinapse do desejo nasceu naquele encontro incidental num voo de volta para o Rio. Era fato que eu não ditava...