quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Lakmé

A verdade sobre a minha vida é que nela não há verdade alguma. Há espaços largos, colunas retas e frias, sem ornamento, sem mácula. Sou uma tábua lisa que às vezes, só às vezes, é capaz de se encher e vibrar com sentimentos que não duram o suficiente para serem validados e processados como parte das minhas sensações humanas. Com isso, eu quero dizer que me sinto falsa, que me sinto incompleta e pequena diante da complexidade de outras pessoas em volta.

Eu nunca conheci alguém que se sabotasse tanto quanto eu, mesmo quando são sinceras minhas intenções para ganhar, para mudar, para persistir em algo que ‘parece’ ser para meu bem. Eu realmente não sei o que quis dizer com isso. Talvez eu só esteja sendo malvada comigo mesmo. E tola, claro. Muito tola.

E eu escrevo a meu respeito na tentativa de entender a aberração na qual me tornei. Quem sabe se o simples atrito dos dedos e unhas no teclado faça escapar uma palavra-chave que deponha cruamente o que há em mim e que seja diferente dessa droga de buraco vazio.

Lakmé, de Delibes, começou a tocar alto no meu quarto, e a voz potente de Maria Callas tira toda a minha pouca concentração. E daí que lá vem a abstração novamente. E daí que essa música me lembra da Catherine Deneuve no filme The Hunger, e que sim, eu seria sua escrava imortal se pudesse partilhar das noites em sua cama e seus braços.

Mas veja só, já me perdi na minha cabeça mesmo antes de chegar a escrever tudo que rondava meu cérebro e que eu cuidava para não perder entre outros pensamentos intrusos. E agora eu já não sei voltar ao que dizia antes. Lembrar da Catherine Deneuve me fez lembrar do filme 8 Mulheres – que me fez lembrar que tenho que importar uns artigos da Gallica amanhã para um pesquisador da botânica. E se você fosse um acadêmico chato, iria dizer que essa minha confusão é o exemplo perfeito de que o pensamento é associativo e tudo e tal. Mas eu lhe digo que é tão somente a porra da falta de concentração, de foco, ou de escopo, se você realmente for um acadêmico suuuper chato.

Realmente, não sei mesmo se escrever ajuda, porque eu fico tentando encontrar uma metodologia de pesquisa que sirva para colocar em prática a droga maior ainda que é minha vida.

Mas acho que por hoje deu, acabou. Acho que vou colocar Lakmé no repeat, apagar as luzes e ficar com a fantasia de Catherine Deneuve representando Mirim Blaylock. É bem mais gostoso do que ficar procurando defeito em algo que pode estar certo.

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