segunda-feira, 3 de setembro de 2007

O dia seguinte


Nós terminamos de assistir o show, ela com o R., eu com C. Havia chegado uma hora já bem perto do amanhecer que eu estava esgotada de sono, de frio e de ciúmes. Reencontramos com seu primo F. e cada uma de nós despediu-se dos ficantes da noite. C. havia sido doce comigo; com certeza nos encontraríamos novamente, ele disse. Eu só queria ir embora e dormir, para não pensar tanto sobre o que estava acontecendo.

No caminho de casa eu adormeci no banco de trás, J. estava na frente, ao lado do primo. Não recordo de nada do caminho, só do carro parando em frente a casa dela e nós descendo como sonâmbulas.

F. foi embora, entramos na casa e a mãe dela dormia. Não queríamos fazer barulho para acordá-la. As camas já estavam arrumadas, foi apenas tirar a roupa, colocar o pijama e dormir. Eu apaguei logo.


Na manhã seguinte acordo com susto e observo que ela está me olhando de sua cama. Eu estava deitada numa cama improvisada entre ela e sua mãe, que já havia saído. Ficamos em silêncio, eu estava tímida, tentando não denunciar no rosto tudo o que se passava na minha cabeça. Ela era minha melhor amiga, minha irmã, como eu sempre gostei de pensar, mas tinha um gênio muito forte, e eu sabia que ao menor sinal que eu demonstrasse ela me excluiria de sua vida. Recordo que a vi na sua mesinha de cabeceira o bauzinho em que ela guardava nossas cartas, muitas cartas trocadas, nossos bilhetes, cartões.


Não recordo exatamente o que se passou depois disso; não recordo o café da manhã. Lembro do banheiro, de espera-la sair do banho para tomar o meu. Lembro da música da Xuxa na porta: A de amor, B de baixinho, C de coração. Coração... o meu estava quase se desprendendo do peito e caindo no chão do box. A água quente lavava o corpo e a alma; imaginei que cada gota que escorria pelo meu corpo correspondiam a mil carinhos dela. O pior era que eu não conseguia mudar o pensamento, não conseguia jogar aquilo tudo para dentro de uma caixa e deixar lá no fundo da mente; achei que aquilo era o início da loucura.


Não consigo relembrar 10 anos atrás em busca de outros detalhes daquele dia, de como ele prosseguiu. No entanto, ainda sim sou capaz de fechar os olhos e sentir uma coisa boa, algo como um doce delicioso num dia de domingo. Era domingo. Com toda certeza ao final da tarde meu pai foi me buscar, não morávamos tão longe uma da outra. No dia seguinte nos encontraríamos no colégio religioso em que estudávamos, ambas na sétima série e ambas com certeza comentaríamos com os outros colegas como havia sido maravilhsoso o show de sábado. E também, com mais certeza ainda, nos perguntariam sobre meninos... Ela contaria feliz de R., de como estava apaixonada, e eu de C., mesmo que isso não me fizesse nada feliz.

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O voo

N os conhecíamos há anos, mas a sinapse do desejo nasceu naquele encontro incidental num voo de volta para o Rio. Era fato que eu não ditava...